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sábado, 20 de agosto de 2011

ESPLENOMEGALIA:AUMENTO DO VOLUME DO BAÇO.

Cirurgias conservadoras do
baço para tratamento da
esplenomegalia por
mielofibrose (página 2)
Lucyr J. Antunes
Introdução
A esplenomegalia, descrita por Hueck
(1879), tem sido considerada uma
reação compensadora decorrente de
mielofibrose. Nessa condição, também
conhecida como metaplasia, a medula
óssea apresenta hipercelularidade,
fibrose reticular, assim como deposição
lenta e progressiva de colágeno. A sua
produção celular é atípica e seu
comprometimento decorre de
diferentes afecções sistêmicas auto-
imunes, virais, cariotípicas e
metabólicas, ainda em grande parte
desconhecidas. Sua evolução lenta na
medula óssea faz com que o restante
do sistema mononuclear fagocitário,
principalmente o fígado e o baço,
assuma a função hematopoética. É
importante lembrar que, no período
embrionário-fetal, esses dois órgãos
eram os responsáveis pela produção
sangüínea. (1)
Trabalhos mais recentes têm indicado
que a função hematopoética
encontrada no fígado e no baço não
seria decorrente de fenômeno
metaplásico, mas do desenvolvimento
de células-tronco (stem cells)
remanescentes nesses órgãos. Assim
sendo, o nome de metaplasia seria
inadequado fato que tem levado à
tendência de substituí-lo por
hepatoesplenomegalia ou
simplesmente esplenomegalia, tendo
em vista que o baço aumenta suas
dimensões muito mais do que o fígado
e marca o aspecto semiológico dessa
doença. (1-3)
O quadro clínico caracteriza-se pelo
crescimento do fígado e mais
acentuadamente do baço, podendo
este alcançar até a fossa ilíaca direita e
pesar até mais de sete quilogramas.
Conseqüente à esplenomegalia, os
pacientes apresentam grande
desconforto abdominal, dificuldade
para a deambular, por compressão
pélvica, e restrição respiratória,
provocada pela elevação da cúpula
diafragmática esquerda. Os exames
hematológicos apresentam valores que
variam desde a normalidade até a
pancitopenia grave. A leucopenia e a
trombocitopenia geralmente não se
acompanham de manifestações
clínicas, porém a anemia provoca
dispnéia, taquicardia e adinamia física.
Em presença de fatores predisponentes,
esses pacientes podem também
desenvolver insuficiência
cardiocirculatória. (1,3)
Os distúrbios provocados pela
esplenomegalia constituem a indicação
de esplenectomia. Entretanto, tal
operação pode apresentar resultados
catastróficos, quando esse órgão tiver
se tornado a principal fonte
hematopoética. (1-5) Nessa situação, a
retirada completa do baço pode levar
ao óbito em pouco tempo, por
hemorragia generalizada e
incontrolável conseqüente à
trombocitopenia. Uma outra
complicação da esplenectomia é a
reação provavelmente compensadora
do fígado, que passa a crescer
rapidamente. O maior risco desse
aumento é a ruptura hepática
espontânea, acompanhada de
sangramento geralmente fatal. (2,3,5,6)
Para prevenir essas complicações,
indica-se a esplenectomia parcial como
procedimento de eleição nos casos de
baços muito volumosos. (7-9) Todavia,
a preservação do pedículo vascular
favorece o crescimento do
remanescente esplênico que pode
atingir novamente proporções
exageradas. Tal evento indica nova
operação esplenorredutora.
Com o objetivo de prevenir esse novo
crescimento do coto esplênico,
passamos a realizar nos pacientes
portadores de esplenomegalia, desde
1992, a esplenectomia subtotal, com a
manutenção do pólo superior do baço
suprido apenas pelos vasos
esplenogástricos. Essa operação foi
desenvolvida por nós a partir de 1979
para aplicação no tratamento cirúrgico
da hipertensão porta
esquistossomática. (10-22)
Posteriormente, utilizamos essa
alternativa operatória para conservar
parte do baço em trauma esplênico
grave, doença de Gaucher, leucemia
linfocítica crônica e afecções em que se
indica a retirada corpocaudal do
pâncreas. (23-29) A nossa experiência
pessoal superior a 160 doentes
acompanhados por até mais de 18
anos tem mostrado resultados
gratificantes, fato que nos estimula a
prosseguir na indicação desse
procedimento em outras doenças nas
quais haja a necessidade de operar o
baço, com a possibilidade de manter
parte do tecido esplênico. Assim como
tem sido relatado na literatura em
relação à esplenectomia parcial, com a
preservação do pedículo esplênico, na
esplenectomia subtotal também
constatamos que são preservadas todas
as funções do baço. (18,24,,30-32)
Nos casos em que não foi possível
realizar a esplenectomia subtotal,
conservamos parte do baço sob a
forma de auto-implantes esplênicos.
Estudos hematológicos e imunológicos
em mais de 70 doentes submetidos a
esplenectomia total complementada
por auto-implantes esplênicos, para
tratar hipertensão porta, trauma
esplênico, doença de Gaucher e
leucemia linfocítica crônica mostraram
a preservação das funções esplênicas
pelos fragmentos de baço auto-
implantados. (27,33,34) Os valores
hematológicos e imunológicos
permaneceram normais e a depuração
sangüínea de corpúsculos de Howell-
Jolly, bem como de substâncias
coloidais foi satisfatória. Em estudo
experimental, observamos que os auto-
implantes também são capazes de
remover bactérias injetadas na
circulação sangüínea. (35-38)
O presente trabalho apresenta a nossa
experiência com a conservação
esplênica parcial, por meio de
esplenectomia subtotal ou auto-
implantes esplênicos, em pacientes
com esplenomegalia, em que foi
indicada a operação esplenorredutora.
Pacientes e Métodos
Desde 1992, operamos seis pacientes
portadores de esplenomegalia no
Hospital das Clínicas da UFMG. Todos
vinham sendo acompanhados pelos
Serviço de Hematologia desse hospital
e a indicação operatória foi
determinada pelo desconforto
provocado pela esplenomegalia e pela
pancitopenia de difícil controle que
esses doentes desenvolveram.
Os pacientes eram três mulheres e três
homens, com as idades de 32, 32, 41,
51, 58 e 68 anos. Quanto à cor da pele,
quatro eram leucodérmicos e dois
feodérmicos. Os seis doentes tinham
pancitopenia variável e receberam
transfusões sangüíneas em diversas
ocasiões. Os múltiplos exames
hematológicos pré e pós-transfusionais
dificultam a apresentação dos valores
hematológicos próprios de cada um
dos doentes. Os baços de quatro
pacientes atingia a fossa ilíaca direita e
os dos outros dois doentes chegava até
a fossa ilíaca esquerda, portanto todos
classificados como grupo IV de Boyd.
As operações foram realizadas através
de laparotomia oblíqua esquerda,
desde o nono espaço intercostal até
dois dedos acima da cicatriz umbilical.
Após a ligadura da artéria esplênica, no
espaço retrogástrico, o baço foi
completamente mobilizado para fora
da cavidade abdominal, seccionando-se
os ligamentos frenocólico,
esplenorrenal e esplenofrênico.
Manteve-se intacto o ligamento
esplenogástrico, tendo-se o cuidado de
preservar todos os vasos
esplenogástricos. Em seguida, foram
ligados e seccionados os vasos do
pedículo esplênico e do pólo inferior do
baço. Seccionou-se o órgão em cunha
ao nível da transição entre o pólo
superior, que permanecia com a cor
rósea, e o restante do órgão, que se
tornara azulado após a
desvascularização. Realizou-se
hemostasia cuidadosa, suturando-se os
vasos do parênquima aberto com fio de
categute simples 3-0, e foram
aproximadas, por sutura contínua, com
fio de categute cromado 2-0, as duas
abas de cápsula, formadas pela secção
em cunha do órgão. (Figura 1) O baço
foi recolocado em seu leito e fixado ao
peritônio diafragmático com um ponto,
para prevenir a sua ptose ou torção.
Em dois dos pacientes (uma mulher
leucodérmica de 32 anos e um homem
feodérmico de 58 anos), constatou-se,
ao inventário da cavidade abdominal, a
presença de colecistolitíase. No mesmo
ato operatório e através da mesma
incisão, foi feita a colecistectomia.
Depois de uma cuidadosa revisão da
hemostasia abdominal, a cavidade
abdominal foi fechada por planos, sem
deixar dreno em doente algum.
Em um dos pacientes do sexo
masculino, leucodérmico e com 32
anos de idade, houve um acidente
operatório. Durante a secção do baço,
que pesava mais do que sete
quilogramas, o cirurgião auxiliar não
conseguiu sustentar o órgão e o
tracionou bruscamente, rompendo o
ligamento esplenogástrico. Nessa
situação, restou como alternativa a
realização dos auto-implantes
esplênicos. Após a ligadura dos vasos
esplenogástricos e cuidadosa revisão da
hemostasia, seccionou-se uma fatia
esplênica, que media entre um e dois
centímetros de espessura. Esse
segmento esplênico foi seccionado em
vinte cubos, com dimensões também
de um a dois centímetros. Por meio de
sutura contínua, com fio de categute
simples 3-0, os fragmentos esplênicos
foram fixados ao omento maior,
alternando-se os pontos entre baço e
omento. (Figura 2). Em seguida, o
omento maior foi dobrado sobre si,
para manter os fragmentos esplênicos
em seu interior e prevenir aderências
anômalas a tecidos vizinhos. A
operação terminou com o fechamento
da cavidade abdominal sem deixar
dreno.
Resultados
A evolução pós-operatória dos seis
doentes foi sem anormalidades
relacionadas à conservação do baço.
Houve melhora dos valores
hematológicos em todos os pacientes,
que continuaram em
acompanhamento hematológico.
Registrou-se um aumento pequeno ou
moderado dos fígados, porém não
ocorreram complicações hepáticas.
Todos os pacientes retornaram a suas
atividades sociais e de trabalho.
O paciente em que foram realizados os
auto-implantes teve uma evolução
mais grave de sua doença,
necessitando de múltiplas
reinternações, com controle
hematológico mais intensivo. Essas
adversidades não foram atribuídas aos
remanescentes esplênicos, mas à
própria moléstia, que era muito grave
já na época da operação. Após três
anos de acompanhamento, esse
paciente mudou de cidade e, mesmo
tentando localizá-lo por diversos meios,
não conseguimos reencontrá-lo.
Os exames histopatológicos dos baços
e das biopsias hepáticas confirmaram a
doença dos eritrócitos, granulócitos
imaturos e megacariócitos atípicos. A
função esplênica foi confirmada pela
ausência de corpúsculos eritrocitários
anômalos na circulação e pelos exames
cintilográficos com enxofre coloidal
marcado com 99m-tecnécio, que
mostraram a captação esplênica do
colóide. Os exames ultra-sonográfico e
de tomografia computadorizada
confirmaram a manutenção das
dimensões esplênicas nos limites
deixados durante a cirurgia. Portanto,
não houve crescimento dos
remanescentes tanto da esplenectomia
subtotal quanto dos auto-implantes.
Discussão
O prognóstico pós-esplenectomia dos
pacientes com mielofibrose não é
favorável. Os poucos bons resultados
são temporários, a menos que se faça
transplante de medula óssea, com
sucesso. Mesmo nesses casos, a
presença do baço é fundamental para
obter-se o controle mais eficaz da
doença. Assim sendo, em presença de
baços gigantes com indicação cirúrgica,
impõe-se que seja preservado pelo
menos parte do tecido esplênico, com
finalidade terapêutica.
As adversidades pós-operatórias que
ocorreram nos doentes da presente
casuística não se deveram ao
procedimento cirúrgico, mas à própria
doença, que pode ter um caráter
menos benigno. Ao se remover
completamente o baço, de acordo com
a literatura, ocorre uma redução
considerável do número de plaquetas.
(1,3,5,39) Todavia, todos os nossos
doentes tiveram uma recuperação
trombocitária para níveis próximos à
normalidade e não foram registradas
complicações hemorrágicas ou
distúrbios de coagulação. (40)
O aumento até moderado do fígado,
que foi verificado nesses pacientes,
limitou-se às primeiras semanas e, em
três doentes, houve regressão parcial
da hepatomegalia até os níveis pré-
operatórios. (2) Esses resultados são
melhores do que os publicados por
outros autores, que verificaram
hepatomegalia gigante conseqüente à
remoção completa do baço. (5)
Sob aspecto operatório, os
remanescentes de baço não cresceram
porque os vasos esplenogástricos são
insuficientes para manter uma
quantidade de tecido esplênico maior à
do pólo superior preservado
cirurgicamente. (12,18,23,24) O
procedimento operatório é simples e
não requer equipamento ou materiais
cirúrgicos especiais, que não estejam à
disposição em todas a operações de
porte maior.
Com respeito aos auto-implantes, é
preferível que eles sejam de tamanho
inferior a dois centímetros para que a
vasculogênese seja mais rápida e
permita que os auto-implantes
funcionem em um tempo menor. Em
trabalho experimental, constatamos
que os auto-implantes atingem a
normalidade funcional em até três
meses. (17,36,41-50) Entretanto, cabe
ressaltar a necessidade de pelo menos
25 % do tecido esplênico normal,
portanto mais de 40 gramas, para que
não haja insuficiência esplênica. Por
esse motivo foram implantados 20
fragmentos de baço, que perfazem um
pesos superior a 50 gramas. (17,51,52)
Outro aspecto importante é o local
onde os auto-implantes foram fixados.
Para que o baço funcione
adequadamente, a drenagem de seu
sangue deve ser para o sistema porta.
Dessa forma, baços implantados no
peritônio, em músculos, no subcutâneo
ou em outros tecidos, apesar de
manter sua vitalidade, apresentam
insuficiência funcional. (53,54) Os
melhores tecidos para o auto-implante
são o omento maior, o mesocólon
transverso e o mesentério, cujas
drenagens venosas se faz para a veia
porta, por meio dos vasos mesentéricos
ou gastro-omentais. (36,55,56) Por esse
motivo, os auto-implantes foram
fixados ao omento maior. (17,54,57)
Em conclusão, a esplenectomia
subtotal, preservando o pólo superior
do baço suprido apenas pelos vasos
esplenogástricos e os auto-implantes
esplênicos em omento maior parecem
boas alternativas operatórias para
tratamento de esplenomegalia gigante
decorrente de mielofibrose, quando
não for obtido um bom controle da
doença apenas com a terapêutica
clínica. Os benefícios dessas operações
foram evidentes nos casos
apresentados neste trabalho. Contudo
essa casuística ainda é muito pequena
para determinar uma conduta
definitiva. Pesquisas futuras, por um
tempo mais prolongado e com um
número maior de doentes irão trazer
subsídios melhores para o
esclarecimento do papel das operações
conservadoras do baço para tratar a
esplenomegalia.

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